quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

O Aluno Que Vai à Escola Para Estudar

Será que você, enquanto educador (professor ou pai) dos alunos da chamada "nova geração", já se questionou ou questionou quem são esses educandos (alunos ou filhos) da nova geração? Leia a carta protesto escrita por alunos do segundo ano do ensino médio do Colégio Piracicabano, da qual muito me orgulhei por refletir exatamente a luta que nós, educadores sérios, enfrentamos todos os dias na busca de criar e estimular cidadãos críticos...mas críticos com consistência e solidez.


                                                    Piracicaba, 3 de dezembro de 2013.

Aos confortáveis assassinos da juventude,

Tiraram-nos os sonhos e nós os deixamos ir. Escrevemos esta carta a caminho de nossos funerais, mas o carro funerário pode ter seu caminho interrompido. Caixão vazio. Nós estamos vivos. Nesta carta-manifesto, vimos, hoje, denunciar nossos carrascos, vocês: pais, professores, instituições, autoridades e demais conformados, confortáveis e confortados.
A escola, um dos autores do genocídio, exige cada vez mais notas, nos sufocando em prédios que se assemelham a prisões, priorizando formas de disciplina que nos mantém ocupados e quietos, chamando de conhecimento aulas vazias preenchidas de informações, utilizando nossa colocação no vestibular como decoração para atrair pais, os consumidores desta fábrica. Não são formados pensadores ou artistas, pois os jovens são assassinados quando convencidos a se tornar peões das indústrias; o mercado quer mão de obra. Não importa se gastamos horas trabalhando para o nosso futuro, pois seremos apenas “vagabundos” se tirarmos notas baixas. Foi criada uma cultura de supervalorização da escola que ultrapassa os limites humanos e destrói todo tipo de expectativa de vida e futuro. Perdemos nossos sonhos para o mercado, coisificando-nos na indiferença e no desafeto.
Com a falta de afetividade, procuramos coisas para nos fazer felizes, condicionando a felicidade a outras pessoas-objetos e objetos-pessoas. Desta forma, há a busca cada vez maior pelo consumo tanto de objetos como de ideias, o que, na realidade, só agrava a situação, já que o consumismo visa ao desapego rápido das coisas e acaba sendo utilizado como falso encaixe para os neurotransmissores responsáveis pelas sensações de felicidade.
Vivemos, assim, vítimas de um sistema capitalista que nos influencia a ter necessidade descontrolada de lucro e por isso somos obrigados a ter notas na escola e trabalhar desde cedo para garantirmos um futuro, que só seria possível por meio do dinheiro. Isso tudo faz com que não valorizemos o que realmente importa, apenas "tendo coisas" e deixando de lado o "ser", nos formando por obrigação e não necessariamente porque é nosso real desejo.
Nossos desejos, aliás, são, em geral, minados pela superproteção familiar, outro dos nossos carrascos, que além disto, nos priva da relação com o que ocorre fora
das nossas casas. Em contrapartida, a ausência dos pais nos faz criar um mundo alternativo e preenchido com supérfluos, o que não é menos terrível. Deste modo, tanto a superproteção como a ausência, pensamos, é responsável pela criação de um muro (des)confortável ao nosso redor.
Ao longo da vida, programados a seguir um só caminho, com medo dos desvios e “desviadores”, somos passivos diante da dominação e por isso, domesticados ano após ano. Estamos dentro de bolhas, ou finas camadas, que nos protegem: as zonas de conforto, espelhadas em nossas relações. Assim, em namoros, amigos e professores procuramos mamães e papais, pedestais de segurança. Não sabemos o que é amor, não sabemos o que são amigos e quiçá o que é família. Nunca nos ensinaram. Sofremos com relacionamentos volúveis. Ou se come ou se é comido. Morremos e matamos em cada relação vazia e viciosa.
Também não nos ensinaram o verdadeiro significado da liberdade: ir e vir autônomo limitado pelo coletivo e que não pode ser confundido com libertinagem. Na sociedade em que vivemos, entretanto, isso não existe, pois impõe-se um padrão, de pensar, agir, vestir-se, falar, viver, dando a ilusão de que podemos escolher de acordo com nossa vontade, por exemplo a falaciosa “liberdade” de escolha de um presidente. Aqueles que se arriscam a sair do padrão são massacrados, sendo obrigados a seguir tudo isso, se realmente quiserem sobreviver. Não sabemos o que queremos, pois tanto nos é imposto que não sobra tempo pra pensar naquilo que realmente tem significado para cada um de nós, jovens.
Ora, como poderíamos ter uma identidade, tão exigida de nós, se, ao olharmos em volta, encontramos enésimos outros idênticos a nós mesmos? Essa constante massificação a que somos expostos tira o que temos de mais pessoal, como o conceito de beleza, e nos priva das nossas próprias escolhas. O resultado é um exército de crianças-adultas totalmente perdidas, tentando, cada dia mais, se afirmar como membros dessa sociedade opressora.
Além disso, as constantes cobranças de que nossa geração tem sido alvo trazem como conseqüência estresse e frustração, que nem todos conseguem suportar. Logo, buscamos a auto-alienação obtida pelo uso e abuso de drogas, sejam elas lícitas, ilícitas ou alternativas (jogos, trabalho, pessoas) sempre buscando uma zona de conforto. Embora haja uma falsa sensação de estarmos bem, temos que saber que não podemos deixar a nossa geração ser assassinada.
Uma das maiores armas apontadas contra nós, desde a ascensão do capitalismo, é a prevenção das revoltas e a opressão da capacidade de pensar, para que os "superiores" não tenham muitas "dores de cabeça". Presentes na mídia, em casa, trabalho e também nas escolas, a alienação monopoliza o que deve ser ensinado e considera que o conhecimento do outro não é relevante.
Desconhecemos o significado de “viver a vida”, porque nos ocupam com coisas para não pensarmos sobre ela e não conseguimos mais fazer (na maioria das vezes, nem sabemos) o que nos agrada. O mundo cor-de-rosa e perfeito construído na infância se desmoronou com a chegada da juventude, quando nos deparamos com a verdadeira realidade, imperfeita e preta-e-branca, que nos escraviza em função do sistema econômico. Somos moldados para sermos robôs e satisfazermos às pressões sociais, caindo no processo de decomposição da vida.
A morte nos abraça, a todos, unindo-nos na única certeza da condição humana. Vivemos em direção à morte, o que não significa que vivamos para ela. A morte é o destino; o caminho, o objetivo. Não vendamos os nossos sonhos por tão pouco.

Alunos do 2o ano B, do Colégio Piracicabano, 2013. 


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