O que você acha sobre as cotas raciais (negros,
índios) no Brasil? Desde a aplicação das cotas nas instituições brasileiras
esta sempre foi uma questão polêmica. Essa polêmica deve existir pela falta de
“capacidade” que muitos civis aqui ainda tem para debater, reconhecer, e ouvir
“todos os lados”. Sempre pensei que essa ação afirmativa no Brasil que
pressupõe o ingresso de alunos negros/ indígenas nas faculdades e universidades
fosse errado. Pautava esta opinião considerando que esta seria, ao
contrário do que se propunha, uma questão excludente e reforçadora das diferenças
de povos e suas culturas. Diferenças essas que pra mim precisavam e precisam
ser entendidas como naturais, e não seletivas ou deterministas (porque não,
rotuladoras).
Pois bem. Hoje na minha aula da
pós-graduação no mestrado em Educação (UNIMEP), a minha ilustríssima professora
Anna Maria L. Padilha, convidou dois alunos dela para virem enriquecer a
discussão sobre cotas que havia começado na aula anterior. Márcia
Cristina Américo e Antonio Filogênio de Paula Jr me fizeram refletir e repensar
sobre o assunto. Eu (como a grande maioria dos brasileiros, acredito) não
conseguia enxergar o que estava por trás de tudo isso. Conclui então que a
rejeição e/ou negação das cotas raciais se dá principalmente por três motivos:
1. A falta de conhecimento histórico (ou conhecimento muito superficial), 2. A
preocupação que isto seja uma forma da política brasileira mascarar os déficits
na educação, e 3. A visão enviesada e tendenciosa sobre o tema que as culturas
de massa nos possibilitam.
1. Conhecimento Histórico
Vamos repensar a seguinte cronologia:
1454 – O papa Nicolau V lança uma “bula papal” (Romanus Pontifex) que (por má
interpretação ou não) afirmava que os negros eram selvagens e não tinham alma,
e que portanto poderiam ser escravizados.
1717 – Em pleno período escravista, aparece a imagem
de Nossa Senhora negra, que tinha como principal objetivo “acalmar” os escravos
que davam indícios de rebeldia conta o sistema. A imagem da Santa negra era uma
estratégia que trazia consigo mensagens como “Acalmem-se, Deus os ama, não
briguem ou matem. Tenham paciência.
1850 – Fim oficial do tráfico de escravos vindos da
África (ver filme Amistad) = muitos
mantiveram a escravatura ilegalmente.
1871 – Lei do Ventre Livre = Estabelecia que todo
filho de escravo nascido a partir de então era livre. No entanto, enquanto
crianças precisava dos “cuidados” da mãe e do “sustento” advindo dos senhores.
Quanto atingiram a maioridade, precisavam pagar todos este sustento, ou seja,
continuavam escravos.
1885 – Lei dos Sexagenários = Estabelecia que todo os
escravos nessa idade era libertos. No entanto a média de idade dos escravos em
vida útil para o trabalho era, para os “escravos de fora” (que trabalhavam na
lavoura ou outros serviços pesados) 5 anos a partir do começo do trabalho e para
os “escravos de dentro” (que trabalhavam na casa dos senhores ou com serviços
mais leves) poderia até chegar na idade, mas não tinham onde morar,
precisavam de assistência médica, etc. Esta assistência muitas vezes era dada
pelos senhores. Logo, continuavam escravos.
1888 – Abolição da Escravatura = que contém apenas
dois artigos, que não previam sustento para os escravos libertos.
1889 –
Proclamação da República = data importantíssima para o Brasil, mas que nada foi
feito pelos escravos. Vale lembrar que nesta época, Rui Barbosa (humanista)
mandou queimar muitos arquivos na tentativa de se eximirem de pagamentos de
indenizações para os escravos então libertos.
1990 –
Lei da Imigração = garante aos estrangeiros em terras brasileiras desde então,
cotas nas instituições escolares, na área profissional, das terras, etc. Isto não
se aplicava aos escravos, nem antes e nem depois desta lei.
2.
Mascarando os Problemas na Educação Brasileira
Antes de qualquer coisa é preciso
ressaltar que desde um bom tempo antes da instauração desta ação afirmativa, o
sistema educacional brasileiro é deficitário. Hoje eu entendo que este direito
é e deve ser assegurado aos negros e índios principalmente numa tentativa de
“reparar” toda nossa história com relação a eles, e que é uma ação necessária
para aproximar os povos nesta busca incessante de igualdade social. Existem
vários estudos que provam que a maioria marginalizada e pobre do nosso país é
negra, o que advém dos tempos da escravidão. Enquanto cidadãos de bem, não podemos
simplesmente tomar isso como certo e nos acomodarmos com a situação precária na
educação do Brasil. Precisamos lembrar que “seres pensantes” causam “problemas”
para os governos, e para tanto, mesmo disfarçadamente, pouco se investe para
melhor se influenciar, manipular. Calar-se é ser condescendente com esse
sistema. E quanto às cotas, a ideia é aproximar os povos que recebem educação
diferente, e que também comprovado em pesquisas, trazem benefícios como a
amplitude de culturas (pois conhece-se o outro, seus hábitos, sua história,
etc.), interpelações que vão contra a discriminação, entre outras.
3.
A Visão Tendenciosa Das Mídias De Massa
Como na maioria das vezes as mídias de
massa (como por exemplo a revista Veja e a TV Globo), numa tentativa de
polemizar ou talvez por falta de financiamentos, pouco evidenciam a realidade
das informações. No caso das cotas, nunca foi publicado sequer metade do que eu
escrevi aqui. Dedico à este fator, principalmente, a minha forma de pensar
sobre o tema aqui abordado. É mesmo uma pena que muitos de nós sejamos tão
tendenciosos e altamente influenciados por essas mídias. Confiamos tanto nelas
que muitas vezes tomamos como verdades aquilo que pede estudos, reflexões e informações
muito mais profundas.
Concluindo, hoje posso dizer que foi um
dia muito marcante pra mim, pois acredito que evolui enquanto cidadão
brasileiro. Agora que tive esta possibilidade de aprofundar o tema com pessoas
que estudaram e estudam isso me sinto muito mais confortável para argumentar. Não
se trata de “mudar” o ponto de vista nem de determinada opinião estar ou não
certa, mas trata-se principalmente de reconsiderar conceitos e refletir sobre
eles. Isto pra mim é cidadania. Sua opinião e seus comentários serão sempre bem vindos.
Hi, Pedro!
ResponderExcluirInteressantíssimo e tremendamente esclarecedor o seu texto. Tenho apenas a declarar que isto veio apenas a corroborar o meu entendimento da proposta de cotas à qual fui adepto desde o início.
Independemente do que é publicado na mídia, é necessário um certo senso para sair do torpor da indução pura e simples.
Ignorância sobre fatos se combate com informação e esta deve ser buscada em diversas fontes.
Obrigado pela agradável leitura e creio que, assim como você, evolui um pouco mais também a partir dela.