Será que você, enquanto educador (professor ou pai) dos alunos da chamada "nova geração", já se questionou ou questionou quem são esses educandos (alunos ou filhos) da nova geração? Leia a carta protesto escrita por alunos do segundo ano do ensino médio do Colégio Piracicabano, da qual muito me orgulhei por refletir exatamente a luta que nós, educadores sérios, enfrentamos todos os dias na busca de criar e estimular cidadãos críticos...mas críticos com consistência e solidez.
Piracicaba, 3 de dezembro de
2013.
Aos confortáveis assassinos da
juventude,
Tiraram-nos os sonhos e nós os
deixamos ir. Escrevemos esta carta a caminho de nossos funerais, mas o carro
funerário pode ter seu caminho interrompido. Caixão vazio. Nós estamos vivos.
Nesta carta-manifesto, vimos, hoje, denunciar nossos carrascos, vocês: pais,
professores, instituições, autoridades e demais conformados, confortáveis e
confortados.
A escola, um dos autores do
genocídio, exige cada vez mais notas, nos sufocando em prédios que se
assemelham a prisões, priorizando formas de disciplina que nos mantém ocupados
e quietos, chamando de conhecimento aulas vazias preenchidas de informações,
utilizando nossa colocação no vestibular como decoração para atrair pais, os
consumidores desta fábrica. Não são formados pensadores ou artistas, pois os
jovens são assassinados quando convencidos a se tornar peões das indústrias; o
mercado quer mão de obra. Não importa se gastamos horas trabalhando para o
nosso futuro, pois seremos apenas “vagabundos” se tirarmos notas baixas. Foi
criada uma cultura de supervalorização da escola que ultrapassa os limites
humanos e destrói todo tipo de expectativa de vida e futuro. Perdemos nossos
sonhos para o mercado, coisificando-nos na indiferença e no desafeto.
Com a falta de afetividade,
procuramos coisas para nos fazer felizes, condicionando a felicidade a outras
pessoas-objetos e objetos-pessoas. Desta forma, há a busca cada vez maior pelo
consumo tanto de objetos como de ideias, o que, na realidade, só agrava a
situação, já que o consumismo visa ao desapego rápido das coisas e acaba sendo
utilizado como falso encaixe para os neurotransmissores responsáveis pelas
sensações de felicidade.
Vivemos, assim, vítimas de um
sistema capitalista que nos influencia a ter necessidade descontrolada de lucro
e por isso somos obrigados a ter notas na escola e trabalhar desde cedo para
garantirmos um futuro, que só seria possível por meio do dinheiro. Isso tudo
faz com que não valorizemos o que realmente importa, apenas "tendo
coisas" e deixando de lado o "ser", nos formando por obrigação e
não necessariamente porque é nosso real desejo.
Nossos desejos, aliás, são, em
geral, minados pela superproteção familiar, outro dos nossos carrascos, que
além disto, nos priva da relação com o que ocorre fora
das nossas casas. Em
contrapartida, a ausência dos pais nos faz criar um mundo alternativo e
preenchido com supérfluos, o que não é menos terrível. Deste modo, tanto a
superproteção como a ausência, pensamos, é responsável pela criação de um muro
(des)confortável ao nosso redor.
Ao longo da vida, programados a
seguir um só caminho, com medo dos desvios e “desviadores”, somos passivos
diante da dominação e por isso, domesticados ano após ano. Estamos dentro de
bolhas, ou finas camadas, que nos protegem: as zonas de conforto, espelhadas em
nossas relações. Assim, em namoros, amigos e professores procuramos mamães e
papais, pedestais de segurança. Não sabemos o que é amor, não sabemos o que são
amigos e quiçá o que é família. Nunca nos ensinaram. Sofremos com
relacionamentos volúveis. Ou se come ou se é comido. Morremos e matamos em cada
relação vazia e viciosa.
Também não nos ensinaram o
verdadeiro significado da liberdade: ir e vir autônomo limitado pelo coletivo e
que não pode ser confundido com libertinagem. Na sociedade em que vivemos,
entretanto, isso não existe, pois impõe-se um padrão, de pensar, agir,
vestir-se, falar, viver, dando a ilusão de que podemos escolher de acordo com nossa vontade, por exemplo a falaciosa “liberdade” de escolha de um
presidente. Aqueles que se arriscam a sair do padrão são massacrados, sendo
obrigados a seguir tudo isso, se realmente quiserem sobreviver. Não sabemos o
que queremos, pois tanto nos é imposto que não sobra tempo pra pensar naquilo
que realmente tem significado para cada um de nós, jovens.
Ora, como poderíamos ter uma
identidade, tão exigida de nós, se, ao olharmos em volta, encontramos enésimos
outros idênticos a nós mesmos? Essa constante massificação a que somos expostos
tira o que temos de mais pessoal, como o conceito de beleza, e nos priva das
nossas próprias escolhas. O resultado é um exército de crianças-adultas
totalmente perdidas, tentando, cada dia mais, se afirmar como membros dessa
sociedade opressora.
Além disso, as constantes
cobranças de que nossa geração tem sido alvo trazem como conseqüência estresse
e frustração, que nem todos conseguem suportar. Logo, buscamos a auto-alienação
obtida pelo uso e abuso de drogas, sejam elas lícitas, ilícitas ou alternativas
(jogos, trabalho, pessoas) sempre buscando uma zona de conforto. Embora haja
uma falsa sensação de estarmos bem, temos que saber que não podemos deixar a
nossa geração ser assassinada.
Uma das maiores armas apontadas
contra nós, desde a ascensão do capitalismo, é a prevenção das revoltas e a
opressão da capacidade de pensar, para que os "superiores" não tenham
muitas "dores de cabeça". Presentes na mídia, em casa, trabalho e
também nas escolas, a alienação monopoliza o que deve ser ensinado e considera
que o conhecimento do outro não é relevante.
Desconhecemos o significado de
“viver a vida”, porque nos ocupam com coisas para não pensarmos sobre ela e não
conseguimos mais fazer (na maioria das vezes, nem sabemos) o que nos agrada. O
mundo cor-de-rosa e perfeito construído na infância se desmoronou com a chegada
da juventude, quando nos deparamos com a verdadeira realidade, imperfeita e
preta-e-branca, que nos escraviza em função do sistema econômico. Somos
moldados para sermos robôs e satisfazermos às pressões sociais, caindo no
processo de decomposição da vida.
A morte nos abraça, a todos,
unindo-nos na única certeza da condição humana. Vivemos em direção à morte, o
que não significa que vivamos para ela. A morte é o destino; o caminho, o
objetivo. Não vendamos os nossos sonhos por tão pouco.
Alunos do 2o ano B, do Colégio
Piracicabano, 2013.