Hoje era um dia comum. Era um passeio em família num belo domingo de céu azul límpido. Mas claro que não poderia ser só isso. Uma viagem psicológica no meu interior deu início mesmo antes do passeio realmente começar. Num gesto educado, perguntei "A senhora quer ir na frente?". Ela, mais educada ainda disse: "Não, poder ir." Alí eu comecei a filosofar e teorizar sobre o que o banco do passageiro na frente do carro significa em nossa vida.
Quando criança, nunca tivemos carro. Tampouco sabíamos que pessoas "brigavam" para ocupar o assento da frente ao lado do motorista. Comecei a pensar que esse assento, como muitas coisas na vida, dão a falsa sensação de empoderamento, de ser especial, de estar acima da lei. Mas por que as pessoas fazem tanta questão de sentar-se no banco da frente? Por que as pessoas ofereciam esse assento como se tivessem ofertando uma vaga no primeiro banco da Basílica de São Pedro para ver o Papa de perto? Nesse devaneio, comecei a questionar se esse assento era realmente melhor do que o de trás. Muitas vezes eu preferi sentar no de trás para conseguir ver a paisagem melhor, para conversar sem atrapalhar o motorista (ou pra atrapalha-lo), para dormir, para vomitar depois de uma bebedeira sem medida, ou simplesmente pelo prazer de não ter a obrigação de ter que prestar atenção no caminho, ou de ter a obrigação de ser o copiloto num caminho que talvez eu percorresse apenas uma única vez na vida.
Pois bem, mas o que tem isso a ver com a vida, então? Durante o passeio de quase duas horas tive alguns momentos para refletir no porque aquela situação corriqueira tinha me inquietado. Pensei e continuo pensando, com a conclusão (temporária) de que na vida também somos assim. Queremos ser o melhor filho, o melhor pai, o melhor marido, o melhor funcionário, o melhor professor, o melhor aluno, o melhor eleitor, o melhor tudo, ou seja, queremos sempre estar à frente, no "assento" que muitas vezes causa intriga e discórdia Não vejo problemas em querermos ser o melhores, desde que esse tal "melhor" seja para nós mesmo, e não para essa pseudo-competição social inútil. Vejo muitas pessoas (eu, inclusive) querendo ocupar esse assento pelos motivos errados, sem se dar conta que o que realmente importa é o que se aproveita do caminho percorrido para merece-lo. Nesse insano desejo de ocupar o assento da frente na vida esquecemos que estar atrás nos abre centenas de possibilidades mil vezes mais benéficas do que na frente. E mais, esquecemos que, se não aproveitarmos essas oportunidades do caminho, até chegaremos a ocupar o banco do passageiro e até mesmo o banco do motorista no carro da vida, mas seremos corremos grande risco de sermos vazios e sem esperança, sem qualquer chance de contribuir para um mundo melhor. Pior, poderemos perder o prazer do "quero SER mais".