terça-feira, 21 de maio de 2013

A CRIANÇA E A PALAVRA


Após minha leitura do texto “O papel da escola” escrito por Roseli Fontana e Maria Nazaré da Cruz que li para aula de 22 de Maio com a professora Anna Maria Padilha no curso de pós-graduação do mestrado em Educação da UNIMEP, decidi fazer esta postagem.


 
É fato que aprendemos grande parte do que sabemos na escola, das coisas mais elementares às mais complexas.  Esse conhecimento que “nos é passado” tem a preocupação de comprovar e explicar as teorias que nos circundam. Estes mesmos conceitos têm uma lógica de organização com a intenção de garantir coerência, exigindo portanto, uma complexidade de operações para se atingir esta meta.
Desde o século XIX propunha-se uma pedagogia tradicional que permeia o ensino até hoje. Nesta vertente o que se leva em consideração é a prática do tudo pronto, tendo a preocupação apenas de passar isso para a criança para que ela os memorize, num ciclo que práticas de repetição e treinamento de exercícios até que estes conceitos sejam “devidamente” interiorizados. Esquece-se então que estes conceitos têm história e que passaram por transformações, que têm sentidos diferentes que dependem de muitos aspectos (cultura, contexto social, etc.), as experiências nas relações de outros indivíduos com estes conceitos, etc. Toda esta história é tida como “erro”, nada mais. Desta forma, não se utiliza o que se aprende (ou o que pelo menos se pretende ser ensinado), apenas se reproduz aquilo que se entendeu (ou deveria ter sido aprendido). A reprodução deste conteúdo não garante que o conceito faça sentido para a criança. A quantidade de informações fornecidas às crianças são gradativamente ampliadas no decorrer dos anos escolares. Sendo assim, conhecimento e desenvolvimentos são cumulativos. Esta pedagogia, então, pressupõe que os significados das palavras sejam fixos na língua e estão impostas aos indivíduos.
Com a pedagogia tradicional em mente, existe o julgamento sobre os dizeres das crianças muitas vezes serem falta de entendimento, mas esquece-se que a palavra não é transparente, não é linear, e principalmente que a palavra não se apropria de um único significado. Esses diferentes significados estão nestes mesmos dizeres julgados pelos professores. São estes mesmo dizeres que nos mostram qual a relação que estas crianças tem com estas palavras, mesmo que muitas vezes não façam sentido para nós (diferentes pessoas atribuem diferentes sentidos à um mesmo objeto, uma mesma situação).
Embora o foco na elaboração conceitual seja diferente, Piaget e Vygotsky concordam que estes conceitos “ensinados” na escola têm sim história e que são desenvolvidas ainda na criança. Piaget diz que quando se ensina algo à uma criança, tira-se dela a oportunidade de descobrir sobre isto. Vygotsky, por outro lado, evidencia a importância da relação com o outro, e que no conceito de zona de desenvolvimento proximal (por ele desenvolvido) é que a criança fará no futuro o que hoje depende do outro para fazer.

Extraindo o foco do ensinar para focar no processo de aprendizagem, coloca-se no alvo a criança e não o professor. A elaboração ativa do conhecimento passa a ser importante, e não o simples acumulo de conhecimento. Nesse sentido, as propostas ativas de ensino têm grande influência das ideias de Piaget que leva em conta o fato de que os conhecimentos científicos são frutos de um processo de construção que depende do estágio de desenvolvimento do indivíduo. Ele considera que os conceitos não se ensinam, mas situações devem ser propostas para que a criança os formulem. Nestas situações a criança entenderá o porque de se aprender algo e fará suas relações analíticas ou suas generalizações através de seu desenvolvimento cognitivo, daí elaborando a palavra.
O processo de aprendizagem deve ser conduzido de acordo com a espontaneidade do desenvolvimento da criança, acompanhado pelo professor. Para a construção conceitual da palavra deve-se possibilitar a expansão da ação e expressão da criança, possibilitando assim que os conceitos sejam elaborados espontaneamente. Assim, o que na pedagogia tradicional é sistemático e considerado erro, agora é um indicativo do desenvolvimento da criança, uma vez que a liberdade de elaboração do conceito mapeia a construção e os caminhos do pensamento. Quando o “aprender pensando” é motivado e tem espaço, o ensino deixa de ter função informativa ou de instrução, e passa a ter o objetivo de contribuir para o desenvolvimento dos indivíduos.
Os adultos participam espontaneamente do processo de elaboração e utilização da palavra pela criança compartilhando com elas as palavras que se fazem necessárias nas situações imediatas nas quais estão envolvidos. Evidentemente o foco desta colaboração está na situação em si, e não na intelectualidade desta situação. Na maioria das vezes o foco nestas situações vivencias não vai estar nos diferentes significados que uma determinada palavra possa ter para cada um dos indivíduos nesta relação. Podem acontecer, mesmo que raramente, situações na qual o foco mude de ângulo, como quando por algum motivo há uma explicitação da diferença de entendimento sobre uma mesma palavra, objeto, evento, etc. por parte dos envolvidos nesta relação.
Na escola este entrelaçamento entre adultos e crianças no processo de elaboração da palavra é diferente. Ambos ocupam papel determinante e estabelecido: professor e aluno. Nesta ocasião, a relação é de ensino-aprendizagem. O aluno está para “compreender” enquanto o professor está para “orientar’, “informar”, sistematicamente. Vygotsky aponta que não cabe ao professor significar uma palavra à criança, pois quando o professor faz isto ele usa outras palavras igualmente incompreensíveis, podendo dificultar ainda mais sua compreensão. Ao se praticar isso, estimula-se um processo de verbalização vazio, a repetição pela repetição. Como sugere o psicólogo, é necessário possibilitar interações verbais nas quais a criança adquira novos conceitos, elabore e atribua significados às palavras.
Todos utilizamos as palavras nas relações cotidianas. No entanto, não estamos acostumados a refletir sobre elas. Para a criança, refletir sobre o modo de se usar as palavras é uma atividade intelectual que além de nova é bastante complexa. Ao serem estimuladas e exercitar esta atividade, as crianças buscam na sua memória histórica elementos já internalizados que de alguma forma se associam àquela palavra. São suas experiências e o dado contexto imediato que sugerem essas associações, como sugere Piaget. Neste estimulo, as crianças aprimoram seus conceitos iniciais, uma vez que são trazidas a refletir e não apenas reproduzir a palavra.
Concluindo, o professor precisa tomar vantagem da sua posição adulto, que passou por várias experiências que lhe possibilitaram acesso a um conjunto muito mais amplo de informações, e provocar situações nas quais as crianças possam apropriar-se das palavras, cada uma na sua partilaridade. Numa relação de ensino compartilhada, ambos os envolvidos se desenvolvem e evoluem (talvez a única forma de evolução ainda possível). Enquanto professor que pensa em desenvolvimento, é preciso ouvir o seu aluno. É nos dizeres corriqueiros que este conhecimento se torna perceptível, possível. Indagar o que a criança já conhece e apontar as diferenças que revestem os conceitos garantirá que novos conceitos se formem, para os dois. O professor, adulto e mais culturalmente desenvolvido (ainda e sempre em processo de desenvolvimento cultural), não pode esquecer que a sistematização é complexa, e que somente é possível através da mediação do professor, o que não significa ditar ou dicionarizar significados, conceitos, situações, mas sim participar no processo de construção de tudo isso.



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